Cirurgia plástica logo após o parto preocupa especialistas: “Não é estética, é saúde”

Eduardo Cavalcanti Cunha

Influência de redes sociais leva mulheres a anteciparem procedimentos complexos no puerpério, desrespeitando a fisiologia e colocando em risco sua própria recuperação

Fotos de abdômens chapados, mamas empinadas e legendas como “corpo de volta em 2 meses” se tornaram comuns no Instagram. Celebridades e influenciadoras mostram resultados impressionantes de cirurgias plásticas realizadas pouco tempo após o parto, criando uma estética quase obrigatória para quem acaba de dar à luz. Mas especialistas alertam: esse padrão de “recuperação rápida” pode custar caro à saúde física e emocional da mulher.

Segundo a cirurgiã plástica Dra. Pamela Massuia, com mais de 3 mil procedimentos realizados, há um crescimento preocupante de pacientes que procuram cirurgias logo após o parto, especialmente por influência de redes sociais. “A paciente chega no consultório dizendo: ‘vi que fulana fez lipo e colocou prótese dois meses depois do parto, também quero’. Mas muitas vezes ela está anêmica, dorme mal, está amamentando e seu corpo ainda está num processo fisiológico intenso. Operar nesse momento é extremamente arriscado”, afirma.

 O corpo ainda está em transformação

De acordo com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), o útero leva em média seis semanas para voltar ao tamanho original após o parto. Já a regulação hormonal, especialmente em mulheres que amamentam, pode levar meses para se estabilizar. Além disso, o nível de ferro no sangue, reservas de cálcio e vitamina D costumam estar abaixo do ideal, o que prejudica a cicatrização.

“A mulher não é uma máquina que volta ao ‘corpo de antes’ em dois meses. Há todo um processo de readaptação interna: órgãos que mudaram de lugar, musculatura abdominal distendida, flacidez, sono desregulado. Fazer cirurgia nesse cenário pode levar a complicações como abertura de pontos, infecções, trombose e até depressão no pós-operatório”, explica a médica.

 CFM e sociedades médicas se manifestam

O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou recentemente uma nota técnica desaconselhando cirurgias plásticas durante o puerpério precoce — que compreende os primeiros 42 dias após o parto. O documento alerta que a decisão por uma cirurgia deve ser feita com base em exames clínicos e estabilidade física e emocional, e não por influência externa.

Além disso, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) reforça que procedimentos como abdominoplastia, lipoaspiração, ninfoplastia e prótese mamária só devem ser realizados após avaliação minuciosa e em condições ideais de saúde, o que geralmente acontece após o 6º mês pós-parto.

 Dados preocupantes

Uma pesquisa da revista Pediatrics com mais de 4.500 mães nos EUA apontou que 27% delas relataram sentir pressão intensa para “recuperar o corpo” nos primeiros 3 meses após o nascimento. No Brasil, um levantamento informal realizado em 2023 por um grupo de cirurgiões plásticos de São Paulo mostrou que houve um aumento de 40% nas solicitações de procedimentos no pós-parto imediato — especialmente entre pacientes que seguem influenciadoras digitais.

 Casos reais preocupam

Pamela já atendeu mulheres que chegaram a agendar cirurgia com 60 dias de pós-parto. Em um dos casos, a paciente tinha acabado de interromper a amamentação e ainda enfrentava quadros de insônia e oscilação de humor. “Ela dizia estar bem porque já tinha perdido o peso da gravidez. Mas nos exames, apareceu anemia e inflamação em tecidos profundos. O corpo dela gritava que não estava pronto.”

Em outro caso, uma paciente que operou com outro médico teve necrose de pele por má cicatrização, causada por carência nutricional e esforço precoce com o bebê no colo. “Não é só estética. É vida real. Mãe carrega, levanta, amamenta. Isso exige energia e pausa. A cirurgia tem que entrar como algo que fortalece, não como mais uma cobrança”, reforça a médica.

 Quando é o momento certo?

Não há uma fórmula exata. Segundo a Dra. Pamela, a recomendação geral é aguardar entre 6 e 12 meses após o parto, com base em fatores como:

  • Tipo de parto (normal ou cesárea)
  • Presença ou não de amamentação
  • Peso corporal e composição corporal
  • Saúde emocional e disponibilidade de apoio no pós-operatório
  • Exames clínicos completos

“Eu sempre oriento que a paciente esteja com exames em dia, bem emocionalmente, e que tenha suporte real para o pós. Ela não pode sair da cirurgia e voltar a dar banho no recém-nascido. Isso não é realista”, afirma.

 O que fazer enquanto espera?

Para quem ainda não pode operar, mas deseja cuidar da autoestima, a médica recomenda:

  • Tratamentos minimamente invasivos, como bioestimuladores de colágeno, ultrassom microfocado e limpeza de pele
  • Atividade física leve com liberação médica
  • Terapia e autocuidado emocional
  • E, principalmente, uma mudança no olhar sobre o próprio corpo

“Seu corpo acabou de gerar um ser humano. Ele merece ser olhado com respeito, não com pressa”, conclui.

Subscribe

Subscribe to our newsletter to get our newest articles instantly!

[mc4wp_form]

Share this Article