Sua empresa pode ser multada por causar ansiedade — e quase ninguém está preparado

Eduardo Cavalcanti Cunha

Em vigor desde maio de 2025, empresas de todos os portes no Brasil poderão ser autuadas por negligência à saúde mental dos seus colaboradores. Isso porque a nova redação da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-01), atualizada em 28 de agosto de 2024, passou a exigir legalmente o mapeamento e o controle dos chamados riscos psicossociais — um avanço sem precedentes nas políticas públicas de proteção ao trabalhador.

Estresse crônico, jornadas exaustivas, metas abusivas, assédio moral, ansiedade e burnout agora fazem parte do escopo fiscalizável pelas autoridades do trabalho. Não se trata mais de iniciativas voluntárias ou de boa vontade das empresas — está na lei, e o descumprimento pode resultar em multas, processos trabalhistas e interdições.

“É uma virada de chave. Pela primeira vez, a legislação trabalhista brasileira trata a saúde mental como um item obrigatório de gestão de risco. As empresas que não se adequarem à NR-01 podem ser responsabilizadas por omissão — inclusive em ações judiciais”, explica Juliane Garcia de Moraes, advogada trabalhista especializada em saúde no trabalho.

Os números por trás da nova exigência

O Brasil vive uma epidemia silenciosa de adoecimento mental no ambiente corporativo. Em 2024, foram registrados 472.328 afastamentos do trabalho por transtornos mentais, segundo o Ministério da Previdência Social — um salto de 68% em relação a 2023. A ansiedade, sozinha, já atinge 26,8% da população brasileira, o equivalente a 56 milhões de pessoas, conforme a pesquisa Covitel/2024.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a perda global de produtividade causada por ansiedade e depressão ultrapassa US$ 1 trilhão por ano.

“Esses dados justificam a mudança na norma. A NR-01 está alinhada com um movimento mundial. Quem continuar tratando saúde mental como assunto secundário vai pagar caro — em todos os sentidos”, alerta Juliane.

O que a NR-01 exige agora

A norma obriga que todas as empresas com funcionários regidos pela CLT implementem um Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e um plano contínuo de monitoramento e prevenção de riscos psicossociais.

Segundo a Contabilidade Bastazini, que atende empresas de pequeno e médio porte em todo o Brasil, essa obrigação tem gerado dúvidas — e medo.

“Muitos empresários acham que vão precisar montar departamentos inteiros ou contratar consultorias caras, mas não é isso. A NR-01 exige um plano realista, com base em diagnóstico do ambiente de trabalho, e ações de prevenção contínua — como treinamentos, revisão de metas, estruturação de canais de escuta e reorganização de jornadas”, explica Patrícia Bastazini, CEO da empresa.

“Nossa missão tem sido traduzir a norma para o dia a dia do pequeno empreendedor. Não é sobre papelada — é sobre gente. Sobre clima organizacional, produtividade e reputação”, completa.

O impacto na prática: menos adoecimento, mais estratégia

O Radar SIT (Sistema de Informações sobre Inspeções do Trabalho) já registrou mais de 38 mil autos de infração por descumprimento de normas de segurança e saúde em 2023. Com a atualização da NR-01, a expectativa é que a fiscalização seja ampliada para incluir auditorias sobre o tratamento de riscos emocionais.

Patrícia alerta que, além das sanções administrativas, o impacto pode ser invisível — mas profundo:

“Um funcionário afastado por burnout pode custar meses de produtividade, mais indenização, mais processos. O passivo trabalhista gerado por negligência à saúde mental é silencioso, mas altíssimo. E o que vemos é que, com medidas simples, muitas empresas conseguem mudar esse cenário.”

Como preparar a liderança para aplicar a NR-01

Para cumprir a NR-01 de forma eficiente, o papel da liderança é fundamental. É o que defende Flávio Lettieri, consultor empresarial com mais de 30 anos de experiência, que hoje capacita líderes em temas como bem-estar, propósito e gestão emocional.

Flávio não fala apenas da teoria: em 2023, enfrentou uma crise de ansiedade que o levou à internação. O episódio se tornou o ponto de virada de sua trajetória — e rendeu o livro “Ansiedade: Aprenda a conviver com ela e equilibrar bem-estar e produtividade”.

“A NR-01 exige mudança de cultura. Não adianta ter um documento assinado se o gestor continua cobrando metas impossíveis, desrespeitando pausas ou silenciando pedidos de ajuda. O líder precisa ser treinado para reconhecer sinais de esgotamento — nos outros e em si mesmo”, diz Lettieri.

Ele conduz workshops e palestras voltados à adequação prática da norma: capacitação de líderes, práticas simples de bem-estar organizacional e construção de ambientes psicologicamente seguros.

“A boa notícia é que não precisa ser caro. Com ações pequenas, acessíveis e estratégicas, é possível cumprir a NR-01, melhorar o clima e ainda reduzir afastamentos e rotatividade”, resume.

A hora de agir é agora

A fase de autuações da nova Norma Regulamentadora nº 01 (NR-01) começa oficialmente em maio de 2026. Até lá, a fiscalização será de caráter educativo e orientativo — mas o prazo para as empresas se adaptarem já está correndo. A recomendação de especialistas é que os ajustes comecem ainda neste semestre, especialmente na área de Saúde e Segurança do Trabalho, responsável pela integração dos dados exigidos.

A advogada trabalhista Juliane Garcia e a diretora da Bastazini Contabilidade, Patrícia Bastazini reforçam que a implementação das exigências da NR-01 demanda planejamento e tempo, sobretudo em empresas que ainda não trabalham com indicadores de clima organizacional ou saúde mental. A nova regulamentação está conectada a informações sensíveis do trabalhador, como dados do e-Social e da previdência social.

“Não é algo que se resolve com uma palestra motivacional. É preciso mapear os riscos, criar planos viáveis e sustentar uma cultura de cuidado no dia a dia. Essa é a mudança real que a NR-01 está trazendo”, finaliza Patrícia Bastazini.

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